Vazantes...

  • Rosana Baptistella

Resumo

O presente artigo faz uma reflexão sobre o espetáculo intitulado Vazantes...
(2003-2009), em que profissionais da dança, do teatro e da música — que já
vinham experimentando possibilidades fronteiriças entre essas artes — partem
para um processo colaborativo em que todos assinam a autoria do resultado
que é levado a público. O processo de trabalho para montagem do espetáculo
incluiu a proposta de transpor outras fronteiras: ir de São Paulo a Mato Grosso
e da arte estudada na academia e feita entre artistas urbanos, com formação
erudita, para uma troca com pessoas que vivem imersas em cultura popular.
Os atores e o diretor musical foram a campo conviver com a comunidade do
São Gonçalo Beira-Rio, no município de Cuiabá (Mato Grosso), campo de
pesquisa da diretora (entre 1995 e 1999). Tiveram contato ainda com
batuqueiros e batuqueiras de Piracicaba, Tietê e Capivari (São Paulo),
participando de festas do batuque e trabalhando a partir do material registrado
pela diretora em pesquisa (entre 2001 e 2004). A escolha de festas como ponto
de partida deve-se a uma percepção em relação a esse momento especial,
ritualístico, em que está concentrado e simbolizado um saber e uma cultura da
comunidade pulsante em sua memória, repleta de significados e simbolismos
que transbordam através dos corpos dos participantes, principalmente dos
mais velhos — esse corpo íntegro e grandiloquente é construído conforme o
sujeito se constitui. A inteireza que é possível se enxergar nesses indivíduos
encontra na dança, na cena, na performance, o lugar para revelar-se,
manifestar-se com plenitude. E é nesse sentido que tecemos a ponte com o
fazer artístico; esforçando-se por encontrar essa inteireza e permitindo-se
transformar-se, cada artista-pesquisador vivencia o campo à sua maneira,
constrói relações, faz sua própria leitura, ressignifica. Atemporal, Vazantes... é
construído por subjetividades, a partir de histórias de cada um dos artistas e de
fragmentos de memórias de Domingas, Severinas, Ivos, Bugres, Antonios,
Anecides, Rutes, Terezas, Odetes, Nemésias e tantos outros que deixaram
suas marcas no processo. Cíclico, o espetáculo trata de antagonismos que se
transformam e se amalgamam: força e suavidade, loucura e sanidade, medo e
coragem, equilíbrio e desequilíbrio, desabrigo e proteção, ameaça e
cumplicidade. Quem assiste, tece sua história, a partir de seus próprios
referenciais e de sua memória, pois o roteiro não é fechado em uma única
leitura linear, formatada pelo olhar da direção e dos intérpretes.

Referências

BAPTISTELLA, Rosana. Mulheres em cozinhas e terreiros, palcos de

chorados (MT) e Batuques. (SP). Dissertação de mestrado. Campinas:

Universidade Estadual de Campinas, 2004.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A cultura na rua. Campinas: Papirus, 1989.