O corpo sonoro de eco: um saber da Terra
Resumo
Considerando a voz em sua dimensão arquetípica, a palavra em seu poder encantatório, como clamava Artaud, este texto pretende aproximar abordagens rituais da performance vocal como possibilidades de uma pedagogia do imaginário. O sentido de presença vivenciado nos cantos de tradição, por exemplo, constituem experiências de alma e de alteridade, tal como propõem a psicologia arquetípica de James Hillman e o perspectivismo ameríndio descrito por Viveiros de Castro. Buscando tomar parte nas reflexões em torno do eixo temático Saberes da Terra e Identidades, este trabalho faz, por fim, um exercício mitopoético a partir do encontro entre Eco e Narciso. Devaneando a partir de Eco, personagem mítica marcada pelo evento sonoro-vocal, evoca-se o silenciamento da alteridade que o ato colonizador instaura. Entre as águas-espelho do Narciso mítico e os espelhinhos com os quais os europeus “presentearam” os indígenas quando de sua chegada a este “novo mundo”, uma semelhança: Eco e sua voz são ignoradas. De seu corpo, pouco resta. Seus ossos metamorfoseiam-se em pedra, vive nela apenas o som. Como ouvi-la? Seria a voz de Eco, ressoando na paisagem, um saber da Terra?
Referências
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