Do corpo-sem-órgãos à performance como paradigma: interseções entre performance & filosofia

  • Luciana da Costa Dias Universidade Federal de Ouro Preto

Resumo

Este trabalho pretende apresentar e discutir alguns dos resultados de minha pesquisa pós-doutoral realizada no Centre for Performance Philosophy, na University of Surrey (UK) de agosto de 2017 a julho de 2018. Em caráter geral são discutidas interseções possíveis entre filosofia e performance, cujas relações, ainda que subjacentes à história do ocidente desde a Grécia Antiga, se constroem como território minado: lugar de lutas e de hierarquização do real. As fronteiras entre performance e filosofia, contudo, estão cada vez mais borradas e vêm se reconfigurando profundamente desde a segunda metade do século XX – sobretudo a partir da influência do trabalho seminal de Antonin Artaud e outros, que conduziram ao atual paradigma da performance como ação, potência e, sobretudo, presença do corpo. Este paradigma subverte a estética tradicional e a perspectiva de obra de arte como objeto em direção à arte como acontecimento, na qual o corpo em sua potência não é apenas uma realidade externa observável, controlável e mensurável, antes é a experiência primordial da existência em toda sua contradição e no modo como ela pode ser, a cada vez, resgatada e revivida. Em caráter específico, o conceito de “corpo-sem-órgãos”, central em Artaud, bem como outros como “palco desteologizado”, “superação da estética-metafísica” e “presença”, serão detalhadamente discutidos na perspectiva da emergência da performance como paradigma no século XX. Para tanto, enfatizarei uma das últimas criações Artaudianas: “Tutuguri: le rite du soleil noir” (Tutuguri: O rito do Sol Negro), parte final de sua famosa performance sonora Para Acabar com o Juízo de Deus, criada e performada pelo próprio para o rádio em 1947. Em acordo com Anne-Sabine Nicolas (2012), minhas conclusões caminham em direção ao fato de que Artaud performa sua poesia sonora como um ritual, no qual a linguagem se expande e adquire caráter performativo e encantatório, que possibilita tornar presente, a cada vez, uma miríade abissal de significados que radicalmente transformam e abrem o campo de possibilidades para a emergência deste novo paradigma. 

Biografia do Autor

Luciana da Costa Dias, Universidade Federal de Ouro Preto

Doutora em Filosofia pela UERJ. Professora Adjunto IV no Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal de Ouro Preto. 

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Publicado
2019-05-15
Seção
Territórios e Fronteiras da Cena