Quem pesquisa em nós? Algo sobre aliados, intercessores e confluências

  • Domenico Ban Jr Universidade Federal do Rio Grande do Sul
  • Silvia Balestreri Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Resumo

O filósofo Gilles Deleuze, ao apresentar o conceito de intercessores, tece uma crítica aos direitos humanos, guardiões de valores eternos, por demais abstratos, que freiam todo pensar criador. Parece haver uma ousadia alegre que irrompe em todo ato de criar; primeiro porque se sabe estar pisando em um território novo, indômito - há ali um receio e um gosto pelo desconhecido! Em segundo lugar, porque é preciso se superar, insuflando-se de coragem para se soltar, mesmo que parcialmente, de um modus operandi já conhecido, autorizado e supostamente previsível de se fazer “tal coisa”. Em terceiro, porque esbarra em toda espécie de entrave social; tudo o que se cria parece trazer consigo o poder de estremecer estruturas e tradições já estabelecidas com seus valores arraigados, regras e conceitos bem definidos, direitos salvaguardados etc. E, finalmente, a questão parece se complicar quando nos damos conta de que “aquilo que se cria” passa longe das intencionalidades de um ou mais sujeitos, longe de nossa lógica racional indutiva ou dedutiva, tal acontecimento quer se revelar por si próprio, vem e nos toma, nos abduz, nos desmonta e recria, efeito da natureza naturando, brotando de maneira intuitiva, no sentido mais espinosano. Ao que parece, quanto mais a vida de alguém se torna afirmativa, ou seja, quanto mais o devir é experimentado e mais relações legítimas entre o dentro e o fora acontecem através dos corpos e seus intercessores, tanto mais a vida é tocada pelas confluências e mais ela é afetada pelas diferenças que nela querem se diferenciar, pelas criações querendo se criar, por afetos alegres e pelas manifestações espontâneas dessa criação; ao menos foi esta a impressão que nos deixou uma intensiva experiência de trocas entre uma pesquisadora peregrina em suas viagens à Itália em busca de Carmelo Bene e um aliado entusiasta que acompanhou todo o percurso permanecendo em São Paulo, através da construção de um acervo de imagens, áudios e mensagens em mídia digital no aplicativo WhatsApp. Apresentamos um momento de pesquisa em que os encontros e os modos como se deram essas trocas desencadearam fluxos criativos em que percebíamos um modo de pesquisar sendo inventado e nos inventando.

Biografia do Autor

Domenico Ban Jr, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Psicólogo clínico e esquizoanalista. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Silvia Balestreri, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Professora associada do PPGAC/Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Referências

BALESTRERI, Silvia. Andarilhanças e estrangeiridades em uma quase Itália de Carmelo Bene. X CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS. Anais... Natal, RN: ABRACE/UFRN, 2018. Disponível em: https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/view/4011/4130 Acesso em: 30 dez. 2019.

BALESTRERI, Silvia. Carmelo Bene, uma máquina de guerra gaguejante. Revista de Estudos da Presença. vol. 8, núm. 1, jan-mar, 2018a, pp. 82-98

Disponível em: https://seer.ufrgs.br/presenca/article/view/72337 Acesso em: 30 dez. 2019.

DELEUZE, Gilles. Um manifesto de menos. In: DELEUZE, Gilles. Sobre o teatro. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

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SPINOZA, Baruch. Ética. Ttradução Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

Publicado
2020-05-28
Seção
Cartografia de Pesquisas em Processo