Representar, apresentar
Resumo
Um dos conceitos fundamentais do teatro é o de “representação”, notadamente vinculado à noção de imagem, o que ocasiona diversos modos de contato ou de visão da realidade. Diferentemente do paradigma artístico do “modelo-cópia”, a representação cênica apoia-se na criação das imagens e ganha, com vários teatrólogos, a dimensão da reinvenção de realidades. A acepção do teatro pós-dramático também incorpora a discussão entre os limites da representação da realidade e de sua reinvenção no universo artístico e da imagem enquanto a própria realidade, por vezes, realidade psíquica, diferentemente da acepção de cópia do mundo ou de um evento factual. Isso aproxima o teatro de uma concepção de literatura como “ser de linguagem”, conforme o pensamento de Foucault, em As palavras e as coisas, e, ainda, à dimensão do acontecimento que diz respeito à noção de real. O olhar do sujeito, irremediavelmente como instância corporal, é, assim, concebido pela arte e, mais especificamente, pela teatralidade. Desse modo, coloco em questão o paradigma da representação e suas rupturas enquanto objeto de investigação, tanto da filosofia da imagem quanto pelo teatro. Se o olhar interessa ao pensamento filosófico e ao teatro, ele também está no processo de constituição do sujeito, pela via da psicanálise, em seus jogos especulares. Viver entre as possibilidades artísticas das narrativas ou de linguagens que ora representam, ora se apresentam, implica tomadas de posição diante das realidades: subjetivas, sociais, políticas. Também comparo as personagens desta narrativa cênico-literária – a obra Dom Quixote (1605,1615), de Cervantes – na mesma perspectiva anteriormente apontada, com a reinvenção de suas personagens principais na obra de Italo Calvino, O cavaleiro inexistente (1959). Se, em Dom Quixote, estaria presente o paradigma da representação, em O cavaleiro inexistente, a apresentação de imagens se aproximaria do teatro pela reinvenção de realidades. Neste artigo, busco articular, ainda, algumas imagens literárias, a exemplo do discurso da pastora Marcela, da obra de Cervantes, que pode ser lida enquanto uma dramaturgia, ou uma encenação acerca do desejo, em diálogo com as questões contemporâneas.Referências
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