Companhia Teatro Moderno de Lisboa (TML): arte, resistência e formas de intervenção na década de 1960

  • Kátia Paranhos Universidade Federal de Uberlândia

Resumo

Teatro social e teatro engajado são denominações que ganharam corpo em meio a um vivo debate que atravessou o final do século XIX e se consolidou no século XX. Seu ponto de inflexão estava na tessitura das relações entre teatro e política ou mesmo entre teatro e propaganda. Este trabalho aborda os sentidos de resistência e contestação político-cultural da Companhia Teatro Moderno de Lisboa (TML) / Portugal, na década de 1960, levando em consideração as entrevistas e os discursos produzidos sobre os seus processos coletivos de criação, pesquisa teórica e intervenção social. Para muitos intérpretes, o grupo rompeu a ordem estabelecida da vida teatral na década de 1960 e se afirmou como o grande movimento de uma geração. Durou apenas quatro anos, de 1961 a 1965. Nesse período o TML apresentou textos teatrais de Carlos Muniz, Dostoievsky, Miguel Mihura, John Steinbeck, Luiz Francisco Rebello, William Shakespeare e José Carlos Pires. Esses artistas compuseram e recompuseram diferentes universos de acordo com as suas intenções e seus desejos. Deram, lembrando aqui Brecht, ao “passado e presente em um”, o sinônimo de aliar a leitura (com significados novos) de textos, recheados de crítica social em determinado contexto, à representação de um grupo de atores portugueses. As questões políticas e estéticas contidas nas peças eram atualizadas pelo debate entre o grupo de teatro e a plateia — tarefa bem difícil num período em que a contestação político-cultural à ditadura do “Estado Novo” se tornava mais forte e constante e em que a repressão da censura oficial, sempre vigilante para com as manifestações artísticas heterodoxas, fazia-se sentir de uma forma asfixiante. Fazer teatro engajado naquele período era buscar outros lugares de encenação, assim como outros olhares sobre os anos de chumbo. Devido à sua ação, aos seus princípios fundamentais e práticas, o TML lançaria as sementes do movimento dos grupos de teatro independentes, tendo iniciado o caminho de um teatro de intervenção que estes, mais tarde, se encarregaram de continuar. A despeito das adversidades, as experiências teatrais na contramão do pensamento dominante continuam em pauta e na ordem do dia com incrível tenacidade. Fazer teatro em meio às pressões comerciais é, sem dúvida, uma forma de provocação, de insubordinação ao mercado das “paradas de sucesso”, da qual ainda se valem tanto o Comuna – Teatro Pesquisa, O Bando, A Barraca e a Seiva Trupe.

Biografia do Autor

Kátia Paranhos, Universidade Federal de Uberlândia

Professora do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Programa Pesquisador Mineiro, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Autora, entre outros livros, de História, teatro e política. São Paulo: Boitempo, 2012 e Cena, dramaturgia e arquitetura: instalações, encenações e espaços sociais. Rio de Janeiro: 7Letras, 2014. Editora de ArtCultura: Revista de História, Cultura e Arte.

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Publicado
2021-12-16
Seção
História das Artes e do Espetáculo