Me trata como eu trato que eu te trato e faço questão de devolver em tripulo

  • Sílvia Monique Rodrigues Ferreira Universidade Federal da Bahia
  • Lara Rodrigues Machado Universidade Federal da Bahia

Resumo

O presente resumo descreve os estudos desenvolvidos em processos criativos em dança com base na proposta metodológica “O Jogo da Construção Poética”. Trata-se de investigação artística que também contempla pesquisas de campo e leituras bibliográficas, com vistas a abordar cenicamente as experiências humanas a partir do questionamento de seus limites de normalidade. Entre pesquisa de campo, laboratórios dirigidos e composição coreográfica, a prática do jogo e da dança na cena fomenta o próprio jogo entre os corpos, partindo de uma memória cultural e corporal que é trabalhada e recriada pela referência de cada um/a dos/as envolvidos/as. Os resultados dessa pesquisa artística estão se desenvolvendo no trabalho corporal de uma personagem chamada “EstáNaMira Marruá das Dores”, inspirada na Dona Estamira, uma mulher real que se tornou protagonista de documentário de mesmo nome, dirigido por Marcos Prado: “Estamira” (2004). Poética, profética, sexagenária e catadora de lixo, Estamira inspirou a necessidade de reverenciar minha própria história, bem como a de minhas ancestrais femininas. Relaciono meus caminhos ao dessa mulher, numa linha tênue entre violência e poética. Nela, exaltam-se corpos rebeldes e insurgentes que, ultrapassando os limites da aceitação, são considerados esquisitos e divergentes. Nesse mundo de exclusão e abandono, EstáNaMira carrega as marcas de sua não “ocupância” no mundo, sendo um ‘corpo denúncia’ de todas as formas de eliminação da/o outra/o, como o genocídio, o epistemicídio, o semiocídio, o feminicídio e o etnocídio. Como conclusão, a pesquisa revela que o Jogo da Construção Poética cria oportunidades para uma investigação artística que, ao valorizar as identidades, a ancestralidade e a alteridade, estabelece relações não apenas entre a/o artista e suas histórias, mas também tematiza nosso lugar no mundo, problematizando, através de um discurso corporal, a maneira como somos incluídas/os e classificadas/os numa sociedade amplamente normatizada.

 

Referências

EVARISTO, Conceição. Histórias de leves enganos e parencenças. Rio de Janeiro: Malê, 2016.

GLISSANT, Édouard. Poética da Relação. Lisboa: Sextante, 2011.

MACHADO, Lara Rodrigues. Danças no Jogo da Construção Poética. ANDRADE, Sara Maria de (Org.). Natal: Jovens Escribas, 2017.

RAMIREZ, Juan Antonio. Corpus solus: para un mapa del cuerpo en el arte contemporáneo. Madrid: Ediciones Siruela, 2003.

SANTOS, Inaicyra Falcão dos. Corpo e Ancestralidade. São Paulo: Terceira Margem, 2006.

Publicado
2018-03-19