A cena em reserva: prática da escrita, da leitura e do dizer, em uma abordagem kierkegaardiana

Resumo

O autor dinamarquês Søren Kierkegaard (1813-1855), em muitas ocasiões ao longo de sua obra, manifesta o anseio de que seus escritos encontrem aquele indivíduo singular [em dinamarquês, den Enkelte], que os leia devagar, repetidamente e em voz alta para si mesma (o). Tal anseio sugere que o autor escreve para que sua leitora ou leitor possa ouvir-se em meio a uma prática vocalizada de seus escritos. Trata-se, portanto, de uma abordagem performativa do texto, cuja peculiaridade refere-se a seu alcance comunicativo: é um dizer autorreflexivo. Com esse escopo, a partir das atividades da escrita, da leitura e do dizer do texto (Bajard, 2005), apresentarei uma modalidade de “prática de si” que, por um lado, alude ao conceito arcaico de cena [Grego: skené] enquanto espaço resguardado da visão do público, designando, por isso, um lugar para não ser visto; e, por outro, recruta um movimento de apropriação existencial [em dinamarquês, tilegnelse] do texto, em virtude do exercício efetivo da sua própria escuta. Assim, fundada na prática de quem escreve, lê e vocaliza um texto, a cena em reserva sugere um espaço de retiro, de refúgio; uma reserva entendida, em seu viés polissêmico, enquanto atitude e ambiente preservado (físico e simbólico).

Biografia do Autor

Deise Abreu Pacheco, Universidade de São Paulo
Docente do curso de Pós-Graduação em Escrita Criativa da Fundação Armando Álvares Penteado. Doutorado em Artes Cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Graduação em Direção Teatral e mestrado em Artes pela Universidade de São Paulo.

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Publicado
2020-05-28
Seção
Artes Performativas, Modos de Percepção e Práticas de Si