“Movimento dos Barcos”: arte engajada, tropicalismo e contracultura por José Carlos Capinan

  • Sheyla Castro Diniz Universidade Estadual de Campinas

Resumo

Letrista e poeta, José Carlos Capinan – sobrenome cuja grafia correta é com “n” (“Capinam” ou “Capinã”, cito-o, “já muito me privaram de receber direitos autorais”) – nasceu numa pequena cidade do interior baiano, Entre Rios, em 1941. Mudou-se, ainda criança, com um casal de tios, para a capital. No início dos anos de 1960, cursou as Escolas de Teatro e de Direito da Universidade Federal da Bahia, que, na esteira da modernização alavancada pelo governo Kubitschek, passava por uma reforma progressista encabeçada pelo então reitor Edgar Santos. Foi lá onde tomou contato e se envolveu com a efervescência político-cultural do pré-64, filiando-se ao Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC da UNE) e ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), do qual aos poucos se afastaria no pós-68. Foi lá onde também conheceu quase todos os outros artistas que, já em São Paulo, entre 1967 e 1968, estariam, assim como ele, à frente do Tropicalismo musical. Seu retrato de formatura do ginásio, no qual aparece sério e “engomadinho”, como se representasse a “tradicional família burguesa”, está estampado na célebre capa do LP-manifesto, que completa 50 anos em 2018, Tropicália ou Panis et circencis (1968), contrastando de imediato com a túnica espalhafatosa de Gilberto Gil.

Autor da famosa “Ponteio”, com Edu Lobo, “canção engajada” e vencedora do III Festival da MPB da TV Record, em 1967, Capinan assinou com Gil, Jards Macalé, Paulinho da Viola, João Bosco, dentre vários outros músicos, centenas de composições não menos emblemáticas ao longo das décadas de 1960 a 1980. Ousado, versátil e com fino trato poético, registrou em letras e versos anseios pessoais, políticos e socioculturais, seus e de sua geração. Desde 2002, Capinan preside a Amafro (Associação de Amigos da Cultura Afro-brasileira), e, consequentemente, o Muncab (Museu Nacional de Cultura Afro-brasileira), fundado naquele ano, em Salvador, em parceria com o Ministério da Cultura, museu pelo qual vem batalhando para que se concretize o processo ainda pendente de federalização. Em novembro de 2016, o Muncab realizou uma porção de atividades, incluindo um show de Paulinho da Viola, com a intenção de despertar o interesse e reverter o estado do acervo, que está ameaçado.

Nesta entrevista que realizei com Capinan, no sossego de sua casa no bairro soteropolitano de Rio Vermelho, em 29 de janeiro de 2016, foquei em assuntos que, na ocasião, iam ao encontro de minha pesquisa de doutorado sobre a contracultura no Brasil nos “anos de chumbo". Pelas lentes de um dos mais importantes artistas de nossa música popular, levando sempre em conta que memória e reconstrução de trajetórias individuais e coletivas não implicam em verdades absolutas sobre os fatos, mas versões que ajudam a compreender e a interpretar o passado, é possível descortinar conflitos, impasses e transformações tanto subjetivas quanto estruturais, da sociedade brasileira, num contexto de ditadura.



Biografia do Autor

Sheyla Castro Diniz, Universidade Estadual de Campinas
Doutora em Sociologia pela Unicamp. Mestre em Sociologia pela Unicamp. Graduada em Música e em Ciências Sociais pela UFU/Uberlândia.
Publicado
2019-12-10
Edição
Seção
Entrevistas