INTERRUPÇÃO COMO ESPAÇO PARA A EMERGÊNCIA DO SENTIDO NA CENA EXPANDIDA

  • Bruno Reis

Resumo

Nesse artigo analiso o advento da interrupção como elemento dramatúrgico na cena contemporânea. A descontinuidade do fluxo de acontecimentos na cena expandida cria um espaço vazio de sentido que será sempre responsável por vazar o significado de uma cena a outra. Penso a interrupção a partir do filósofo Maurice Blanchot como uma potência de irrupção de sentidos e deslocamentos para fora da representação e da lógica causal. Acredito que a cena contemporânea se articula frequentemente por uma justaposição de quase-causas e quase-consequências, desarticulando a linearidade narrativa, seja ela em trabalhos de dança, teatro ou performance. A dramaturgia dessa cena é uma articulação de acontecimentos, aparentemente independentes entre si, mas que se dilatam uns sobre os outros. O acontecimento não deve ser confundido aqui com sua efetuação espaço-temporal, como formula o filósofo Gilles Deleuze em Lógica do Sentido, ele é justamente esse deslizar de um devir sobre o outro. Longe de uma lógica de encadeamento de células isoladas, mas sim de uma corrente, um trilho de sentido que é sempre duplo e desliza um sobre o outro. Para que esse deslizamento ocorra, será necessária uma interrupção, uma pausa, uma descontinuidade no fluxo semântico da cena. É esse vazio que garante o espaço para que o sentido se desloque. A descontinuidade produz dramaturgia a partir do momento em que impossibilita a relação causa e efeito, mas ao mesmo tempo faz emergir o que persiste mesmo na interrupção.

Referências

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Publicado
2018-05-18
Seção
Dramaturgia, Tradição e Contemporaneidade