Um caso de pesquisa em artes do espetáculo no meio acadêmico e no meio profissional

  • Armindo Bião Universidade Federal da Bahia

Resumo

A etnocenologia, etnociência das artes do espetáculo, cujo desafio é articular arte e ciência, teoria e prática, criação e crítica, universo acadêmico e mundo profissional do espetáculo, está na base do processo criativo de construção de um personagem, num espetáculo de caráter profissional, que teve 16 apresentações, durante quatro semanas, para quase 2000 espectadores, no Teatro Vila Velha, em Salvador, Bahia, em março de 2008. O personagem, pelo texto original de Haydil Linhares O pique dos índios ou a espingarda de Caramuru, é uma mulher madura, frustrada no amor, professora de canto, que sempre cantarola árias de óperas famosas em suas quatro entradas em cena. O ator convidado para construir esse personagem, então desenvolvendo um projeto de pesquisa sobre a personagem invocada por Carmen, na novela original de Prosper Mérimée (que só aparece na famosa ópera, com música de Georges Bizet, pela caracterização de sua protagonista como uma mulher de sexualidade ameaçadora e incontrolável, tal qual uma pombajira dos cultos afro-brasileiros contemporâneos e pela ária que marca sua entrada, a habanera “L’amour est un oiseau rebelle”, o amor é um pássaro selvagem), optou por explicitar, numa paródia, a dependência mágica de seu
personagem em relação à personagem histórica espanhola, Doña María de Padilla, matriz da entidade da umbanda brasileira, Maria Padilha, a rainha das encruzilhadas (metáfora perfeita para a etnocenologia). Por esse trabalho, o ator-pesquisador recebeu o Troféu Braskem de Melhor Ator Coadjuvante, do Teatro Baiano de 2008. Assim, pesquisa teórica e processo criativo servem para o enriquecimento da pesquisa acadêmica e da cena contemporânea, como revela esse caso (um momento de três meses de um projeto de pesquisa de três anos), que articula arte e ciência, teoria e prática, criação e crítica, além do universo acadêmico com o
mundo profissional do espetáculo.

Referências

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ZEAMI. SIEFFERT. R. (Trad.). La tradition secrète du Nô. Paris: Gallimard; UNESCO, 1960.

Publicado
2018-08-30