A dança como acontecimento

  • Ana Maria Rodriguez Costas

Resumo

Oriundo de uma pesquisa de doutoramento sobre as empatias e os contágios
entre a dança contemporânea, as abordagens somáticas e a artista Lygia
Clark, o artigo está destinado a examinar a emergência de uma noção — a
dança como acontecimento — aglutinadora de pressupostos de algumas
formas de dançar e pensar a dança no século XX que persistem norteando a
formação de intérpretes-criadores. O fenômeno constituiu-se no bojo das ações
do projeto “Por que Lygia Clark?”, abrigado numa disciplina em um curso de
graduação na área. Num franco diálogo com a noção de acontecimento que
subjaz a poética clarkiana, um ideário atravessa e configura a natureza dessas
experiências. Enveredando pelo pensamento labaniano e por contribuições de
Godard (2002), a improvisação é considerada como criação no ato dançante
que desafia o dançarino a coadunar esquecimento e rememoração para,
paradoxalmente, se tornar presente, interferindo na historicidade do próprio
corpo. Continuando, a dança é abordada como ato relacional no qual os
dançarinos podem reinventar-se na comunhão dos seus corpos, dialogando por
meio do tato, ou, partilhando a gestão gravitacional nas danças de contato
propostas por Steve Paxton. Aponta-se a possibilidade de o corpo ser —
também — coletivo (LOUPPE, 2006), de o dançarino conceber a criação de
uma dança como ação coletiva. Por fim, o corpo em ato dançante é presumido
como um manifesto de sua percepção, uma manifestação. Se toda a dança é
propícia ao fenômeno de contágio cinestésico entre dançarinos e seu público,
algumas formas de dançar apostam nessa direção, expondo à própria cena o
refinamento e a plasticidade perceptiva dos dançarinos, convocando o
espectador a sentir o próprio corpo (SUQUET, 2008), sublinhando a dança
como acontecimento.

Referências

CLARK, Lygia. Lygia Clark. Textos de Lygia Clark, Ferreira Gullar e Mário

Pedrosa. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1980.

COSTAS, Ana Maria Rodriguez. As contribuições das abordagens

somáticas na construção de saberes sensíveis da dança: um estudo do

Projeto Por que Lygia Clark?. 2010. 248 p. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.

GODARD, Hubert. Gesto e percepção. Tradução de Silvia Soter. In: PEREIRA, Roberto; SOTER, Silvia. (Org.). Lições de Dança 3. Rio de Janeiro: UniverCidade Editora, 2002. pp. 11-35.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

LAUNAY, Isabelle. Laban ou a experiência da dança. In: PEREIRA, Roberto; SOTER, Silvia. (Org.). Lições de dança 1. Rio de Janeiro: UniverCidade Editora, 1999. pp. 73-90.

LOUPPE, Laurence. Lygia Clark não para de atravessar nossos corpos. In: ROLNIK, S. (Org.). Lygia Clark, da obra ao acontecimento. Somos o molde. A você cabe o sopro. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2006. pp. 33-39.

SUQUET, Annie. Cenas. O corpo dançante: um laboratório da percepção. In: COURTINE, Jean-Jacques (Dir.). História do Corpo vol. 3: As mutações do olhar. O século XX. Petrópolis: Editora Vozes, 2008. pp. 509-539.

Seção
Pesquisa em Dança no Brasil: Processos e Investigações