O corpo glorioso na mira

  • Suzi Weber

Resumo

Tradicionalmente, há uma forte valorização do corpo nas práticas corporais
artísticas que tende a reforçar certa visão modernista do homem como um
super-herói. A partir desta perspectiva, o corpo deve ultrapassar seus limites,
por meio da disciplina e do trabalho árduo, numa visão progressista e muitas
vezes reducionista em termos de práticas corporais e, sobretudo, em termos de
práticas artísticas. A representação de um corpo glorioso se inscreve na visão
defasada do novo homem perante uma arte pós-moderna que exalta cada vez
mais a degradação voluntária do corpo. A tentativa de invalidar a ideia de
excelência humana e corporal reside na falência histórica das grandes
ideologias e na crise do humanismo. Em termos de representação do corpo, a
arte questiona cada vez mais a forma de perfeição estável. Na dança
contemporânea, certos artistas vêm produzindo e questionando a idealização
do corpo glorioso, disciplinado, sofredor e silencioso das tradicionais práticas
corporais artísticas. Os corpos dóceis, como os classifica Foucault (1975), vêm
se tornando cada vez mais indóceis e falantes, com um discurso muitas vezes
direto. A dança contemporânea, no seu discurso mais apurado e atualizado,
questiona o poder que constrói o corpo dançante e que o modela; questiona
também o establishment, que fixa certos valores e modos de conduta. Este é,
por exemplo, o caso do coreógrafo mineiro Luiz de Abreu na criação
“Espetáculo”, que teve sua estreia na 7ª Bienal do Mercosul, em 2009. Em uma
crítica direta e reflexiva sobre certos aspectos da condição do negro no Brasil,
Abreu escancara certos elementos da cultura que muitas vezes são
identificados ao negro. Ele articula um discurso corporal, no qual mostra que a
condição do negro ainda traz fortes marcas do contexto de um país colonizado
e desigual. E é por meio do corpo que estas marcas são exploradas.

Referências

ARDENNE, Paul. L’image-corps. Paris: Éditions du Regard, 2001.

FOUCAULT, Michel. Surveiller et punir. Paris: Gallimard, 1975.

LEHMANN, Hans-Thies. 2006. O teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac

Naify, 2006.

LÉVESQUE, Solange. “Les corps glorieux”. In : Les Vendredi du corps/Jeu,

dir. de Aline Gélinas, pp. 37-50. Montreal: Éditions Cahiers de théâtre Jeu,

LOUPPE, Laurence. Poétique de la danse contemporaine. Bruxelas:

Contredanse, 1997.

MICHEL, M. & GINOT. La danse au XXe siècle. Paris, Bordas, 2002

Seção
Pesquisa em Dança no Brasil: Processos e Investigações