Transcriação artista: liberdade em vão

  • Ercy Araújo de Souza Universidade Federal do Pará

Resumo

Este texto apresenta uma noção de Transcriação Artística relacionando as noções: Transcriação (CAMPOS, 2013) que é uma ação de resistência da obra de arte verbal ao assumir a recriação e Conversão Semiótica que está “vinculada intrinsecamente à práxis vivencial transformadora do homem e de sua realidade” (LOUREIRO, 2007), a partir de reflexões em processos de criação em dança contemporânea desenvolvida pela Companhia Moderno de Dança denominada de Dança Imanente (MENDES, 2010), companhia cujo faço parte desde sua fundação em 2002. Tal transcriação artística é uma maneira de pensar os processos de criação como constantes, espiralados, mutáveis, (trans)criadores de realidades e de verdades, um modo de vivenciar a arte em processo, dando ênfase ao tempo da obra e ao espaço provocador de estímulos em que desenvolvo meus processos. Entendo que Arte, que é filha da liberdade e “quer ser legislada pela necessidade do espírito, não pela privação da matéria” (S., 1995, pg25 - Schiller). Associo o espirito à criação e a matéria às vivências humanas. Acreditando que os processos artísticos são regidos pela criação, não entendendo a criação apenas como produto final, mas sim como um espírito-criação que está presente como potência em todo processo. Em um pensamento hiperbólico, poderíamos falar em processos de criação discípulos de um criacentrismo, ou seja, que tem a criação como centro de todo pensamento em/sobre processo. Assim, me aproprio deste entendimento de Arte como liberdade que anuncia a necessidade do espírito (criação) e, vago pelas minhas memórias mais antigas em busca de minhas primeiras manifestações criativas, como se eu seguisse um “percurso criativo” (SALLES,2012). Vagando (Vagalumeando) me encontrei na varanda de uma casa térrea, localizada em meio uma área rural, envolta por mato por todos os lados. Eu estava estático admirando o breu do mato a minha frente, que alcançava a imensidão do céu. E no infinito da escuridão do mato surgiram vagalumes, com suas luzes hipnotizantes, que me instigavam piscar o mínimo possível. Neste momento recordo que eu estava seguindo como as pontas dos dedos um vagalume escolhido e quando ele apagava eu criava um percurso imaginário, na esperança de adivinhar onde acenderia sua luz novamente. Neste instante em que me deparei com a escuridão do mato, senti, na liberdade da criação, a compreensão de uma realidade de forma dinâmica e concernente ao sistema processual de mudança em minha vivência. Provocada pelos vãos entre os rastros luminosos que foram naquele momento transcriados em movimentos por mim e/ou pelos vagalumes. Após vagalumear por minhas memórias, identifiquei a liberdade da criação no vão criado pelo apagar dos vagalumes. E sob este pensamento, vivencio esta pesquisa, desenvolvendo um pensamento sobre processo e em processo de criações de vãos, onde a prática da transcriação artística nada mais é que a criação constante de vãos e luzes provocadoras de movimentos dançados.

Biografia do Autor

Ercy Araújo de Souza, Universidade Federal do Pará
Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Artes; bolsista da CAPES. Universidade Federal do Pará. Dançarino e coreógrafo na Companhia Moderno de Dança.

Referências

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Publicado
2019-05-10
Seção
Processos de Criação e Expressão Cênicas