Por uma cena kitsch: Claymara Borges e Heurico Fidélis, covers, fakes e afins
Resumo
Apresento algumas reflexões que fazem parte da minha pesquisa sobre artistas cover e seus desdobramentos nas artes cênicas e performáticas contemporâneas: o cover como catalizador e questionador de dualismos como originalidade/cópia, verdadeiro/falso, bom gosto/mau gosto, presença/ausência, arte/vida, além de autorias e identidades. Para entender o universo do cover, o kitsch surge como conceito operador. Se, etimologicamente, kitsch quer dizer trapacear, vender alguma coisa em lugar do que havia sido combinado, o cover é kitsch na medida em que, em sua precariedade assumida e festiva, finge ser aquilo que não é. O kitsch também é cover na medida em que substitui um objeto impossível por uma versão mais acessível, nem que para isso precise se contentar com um falso e edulcorado objeto e/ou artista “genérico”. Para pensar e propor uma cena kitsch, irônica e (auto) crítica, sugiro um olhar sobre a dupla-fake Claymara Borges e Heurico Fidélis, programa performativo de Lucília de Assis e Alexandre DaCosta. Ativos de 1991 a 1996, Claymara e Heurico foram figurinhas fáceis nos circuitos artísticos do Rio de Janeiro e de São Paulo, parodiando clichês de fama e sucesso. Com seus figurinos e acessórios kitsch, Claymara e Heurico tocaram suas músicas românticas e performaram em diversos contextos midiáticos, conquistando inúmeros fãs. Em 2010, quatorze anos após o desaparecimento da dupla-fake original, Lucília e Alexandre apresentaram o show Viva! Claymara Borges & Heurico Fidélis Não Morreram, no qual interpretaram Douglas e Gislaine, dois fãs de Claymara e Heurico que são covers dos seus ídolos. Lucília é Gislaine que é Claymara. Alexandre é Douglas que é Heurico. Ou seria o contrário? Lucília e Alexandre são, portanto, covers de si mesmos, copiando uma performance que eles mesmos haviam criado. Mas... quem cria quem? Quem copia quem? Que presença, que performatividade emerge daí? Que caminhos o cover e o kitsch percorrem na instauração dessa cena disruptiva e criticamente irônica?Referências
ASSIS, Lucília de; DACOSTA, Alexandre. Entrevista concedida a Henrique Saidel. Não publicada. Rio de Janeiro, 2016.
ASSIS, Lucília de; DACOSTA, Alexandre. “Viva! Claymara Borges e Heurico Fidélis não morreram!” Conheça mais sobre eles. Gratuito, somente no Reserva + CÂMBIO. Disponível em: https://cambio.art.br/2012/08/20/viva-claymara-borges-e-heurico-fidelis-naomorreram-conheca-mais-sobre-eles-gratuito-somente-no-reserva-cambio/. Acessado em: 13/09/2016.
BARBÉRIS, Isabelle. Présentation. In: BARBÉRIS, Isabelle; PECORARI, Marie (dir.). Kitsch et théâtralité : Effets et affects. Dijon: Éditions Universitaires de Dijon, 2012. Pg 05 a 13.
BARBÉRIS, Isabelle. Yves-Noël Genod : les excédents du vide. In: BARBÉRIS, Isabelle; PECORARI, Marie (dir.). Kitsch et théâtralité : Effets et affects. Dijon: Éditions Universitaires de Dijon, 2012. Pg 193 a 208.
BARCINSKI, André. Pavões misteriosos – 1974-1983: a explosão da música pop no Brasil. São Paulo: Três Estrelas, 2014.
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. 2a ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006.
ECO, Umberto. Viagem na irrealidade cotidiana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
KOOIJMAN, Jaap. Fabricating the absolute fake: America in contemporary pop culture. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2008.
KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
MOLES, Abraham. O Kitsch: a arte da felicidade. São Paulo: Perspectiva, 2007.
OLALQUIAGA, Celeste. El reino artificial: sobre la experiencia kitsch. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2007.
VAUTRIN, Éric. Du baroque au kitsch et retour : Carmelo Bene et la désécriture de soi. In: BARBÉRIS, Isabelle; PECORARI, Marie (dir.). Kitsch et théâtralité : Effets et affects. Dijon: Éditions Universitaires de Dijon, 2012. Pg 103 a 113.