Do governo das patas, palmas e silêncios: uma genealogia do espectador teatral brasileiro

Resumo

O presente artigo enseja partilhar os caminhos de construção de nossa presente investigação, cuja inspiração teórico-metodológica advém do legado de Michel Foucault, e que se dedica à análise do entrecruzamento histórico entre práticas teatrais e educacionais no Brasil, por meio dos deslocamentos atribuídos por tais relações ao corpo do espectador. Mais especificamente, visa-se descrever os caminhos e torsões sofridos pela pesquisa e o pesquisador ao longo do tempo transcorrido desde seu ingresso na pós-graduação na Faculdade de Educação da USP em 2015, até o período de setembro de 2016. A pesquisa desenvolvida busca mapear processos históricos que culminaram na emergência de determinado espectador crítico e cidadão no interior das práticas teatrais brasileiras. Para isso, o trabalho traz à baila uma série de problematizações históricas a respeito dessa figura, de forma a constituir um acervo documental passível de uma análise de tipo arqueogenealógico. Nossa hipótese é a de que poderíamos observar, a partir de meados do século XIX, um processo intensivo de pedagogização do espectador e da própria cena teatral por meio da formalização de uma série de saberes regulados na relação cena-público, assim como o nascimento da demanda por determinada expertise do ser do espectador teatral. Como maneira de expandir e analisar o problema disposto, a pesquisa organiza um acervo documental composto por jornais e livros publicados entre 1812 e 1945. Sobrevém desses textos do passado a prática da pateada, desaparecida nos dias de hoje, a qual consistia num ruidoso bater dos pés a ser disparado a qualquer momento da representação por parte dos espectadores insatisfeitos em relação ao que viam e ouviam. É intuito da pesquisa analisar a pateada tanto em sua manifestação legitimada socialmente quanto no período que concerne a sua contestação e coerção policial. Recorrendo à análise da prática da pateada, objetiva-se apresentar um momento histórico em que o comportamento e a subjetividade do espectador começariam a ser regulados em direções diversas e um novo tipo de endereçamento público-cena emergiria. Assim, fazendo eco ao procedimental de pesquisa foucaultiano, trata-se de descrever e analisar a emergência de toda uma nova ordem de governo da conduta do espectador que diz respeito, em certa medida, às suas configurações contemporâneas.