A Mandrágora: uma relação “maquiavélica” entre a comédia e a moral
Resumo
O artigo tem como objetivo elucidar a pertinência do texto dramático A mandrágora do filósofo e político italiano Nicolau Maquiavel, no imbricado envolvimento entre o teatro – no caso aqui tratado especificamente, o gênero cômico – e os hábitos morais. O que se destaca é a relação entre a comicidade e os costumes, tendo como enfoque particular a controvérsia maquiaveliana ao ideal de moralidade herdado da antiguidade clássica grega, retomado e contextualizado no pensamento cristão medieval, aportada principalmente na noção de virtude. Pretende-se demonstrar, por meio da análise dramatúrgica da peça com ênfase aos caracteres das personagens principais, a contribuição de Maquiavel (marcada por uma dose de originalidade) na distinção de uma comédia alinhada à tendência moderna de reavaliação da herança filosófica tradicional e cristã, ao trazer no enredo, com sutil assertividade e derrisão, a impossibilidade de sustentar uma natureza humana virtuosa em tempos de mudança e transição de valores, e faz isso mediante a construção de uma intriga preenchida pelo realismo contundente, que denuncia a inconsistência do caráter como fator imutável e a moldagem dos ideais virtuosos aos interesses individualistas.
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