Vagabundos, vadios e malandros: estratégias de inserção social e artística em uma longa caminhada marginal
Resumo
A mesa pretende discutir as figuras de uma tipologia malandra, percebendo as estratégias de aproximação e tentativas de pertencimento social a que atores e atrizes tiveram que recorrer através da História, a composição de tipos cômicos como espelhos deste ideário preconceituoso, intuindo nestas estratégias modos de ação insubmissos e de outras ordens de pertencimento. Artistas de talentos múltiplos, os jograis da Idade Média vagavam entre festas e feiras. Autores, portadores e intérpretes de canções e lendas, exerciam importante papel cultural ao transitar entre os espaços aristocráticos e populares; ao mesclar o registro sagrado com o profano; ao propagar dentro e fora das fronteiras outras ideias e formas de expressão. A profissionalização destes artistas foi resultado de um longo processo oriundo da vagabundagem. Desde que esmoreceu o comércio ambulante de medicamentos, os charlatães passaram a comercializar suas cenas, predominantemente cômicas, com máscaras e tipos fixos. Assim, o tipo cômico do malandro passa a integrar repertórios de atuação, fazendo diálogo com as estratégias de penetração da classe artística na sociedade dita séria e estabelecida em oposição a um mundo sem juízo e errante. Como exemplo deste tipo do vagabundo podemos considerar Didi, personagem criado por Renato Aragão, que espelha o excluído e vadio. A leitura que nos propomos a fazer é de metáforas arquetípicas comumente desapercebidas. Identificar elementos capazes de questionar nossas certezas e nossos preconceitos latentes quanto a determinadas tradições rejeitadas e marginalizadas. Uma caminhada ladeada pelas poéticas amorais de personificações sem dignidade, como as simbólicas herméticas de pelintras e peraltas, capazes de conceder cidadania às zonas obscuras de nossa potência criativa nas artes da cena. Porque de pelintras e pilantras, de errantes e excluídos também é feita esta classe a que pertencemos.
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